Categoria: Vida

Por que Deus permitiu isso?

Recebo muitas mensagens, mas não tenho conseguido responder individualmente. Então, sempre que puder, vou trazer alguns assuntos dessas mensagens para o blog, desde que sejam coisas que possam ajudar outras pessoas. 

A pessoa escreve dizendo que estou melhor porque acha que eu era mais intensa e agressiva antes (em um bom sentido, aparentemente), acha que agora estou mais calma, e se pergunta se Deus me permitiu ficar doente para ficar mais “serena” rs. Talvez para me ensinar a ser mais “tranquila” ou algo assim. O que ela entende como “mais serena” é, na verdade, falta de energia. Não estou escrevendo no mesmo ritmo, então o tom muda, mas minha personalidade é a mesma (intensa, espontânea, introvertida comunicativa, esquisita, do contra, fora dos padrões). 

Entendo que as pessoas queiram encontrar um porquê. “Pôxa, mas ela é tão de Deus, por que Ele permitiu isso?” A questão nem é o porquê de eu ter ficado tão doente (dica: Deus não só não tem nada com isso como também tentou evitar, eu é que preferi seguir meu ex-cardiologista, que foi o que me deixou pior. Se você passar anos tomando pouca água e parar de se exercitar, vai ficar doente. Se nasceu com Ehlers-Danlos e fizer isso, vai ter disautonomia), mas o principal nesse comentário, para mim, é a falta de consciência de quem Deus, de fato, é. Não entender direito quem eu sou é normal, porque, afinal de contas, até hoje talvez eu tenha dado pouca informação a meu respeito. Mas se você está buscando a Deus, precisa procurar entender melhor como Ele é.

Deus não coloca doença em ninguém. Eu nasci com um problema (com vários, aliás), mas nem isso foi culpa dele. Deus não faz pessoas. Ele fez o primeiro casal e deu a ele capacidade reprodutiva. Desde então, o único outro corpo humano feito diretamente por Deus foi o de Jesus. Ele não tem a menor responsabilidade sobre as mutações que causaram o meu problema e os problemas de tantas outras pessoas neste mundo, que desde a má escolha do primeiro casal não está mais sob a direção dEle. 

Eu disse, em outro post, que tenho aprendido muita coisa nesse período de doença. No entanto, isso não significa que Ele tenha permitido que eu ficasse doente “para me moldar”. Deus não faz isso. Um pai jamais deixaria um filho ficar doente para ensiná-lo o que quer que seja. Doença tem duas fontes: uma, é a fonte natural. Temos um corpo e, depois que o pecado entrou no mundo, tudo foi corrompido. Certamente Adão e Eva eram geneticamente perfeitos. Depois, começaram a ocorrer mutações, que nada mais são do que erros no código. Esse corpo pós-Éden é frágil e o mundo pós-Éden tem vírus e bactérias patogênicas, entre outras ameaças. Coisas naturais podem acontecer e causar problemas no caminho. Erros no código, negligência com o próprio corpo, acidentes e uma série de coisas podem dar errado sem que seja culpa de ninguém sobrenatural. Muitas vezes as doenças naturais são causadas por uma conjunção de fatores. A pessoa já tem uma predisposição e acaba fazendo alguma coisa que desperta o problema, por exemplo.

A segunda fonte de doenças é a espiritual, o que a gente chama de “demônio”. Esses seres existem e têm o poder de manipular os recursos naturais para causar doenças. Eles causam doenças e eles também se aproveitam de doenças que não foram eles que causaram, porque precisam usar o momento de fragilidade das pessoas para tentar derrubá-las. 

Só isso. Deus não coloca doença em ninguém. Deus não precisa de uma doença para me ensinar coisa nenhuma. Não precisa de doença para mudar ninguém. O fato de eu estar aprendendo coisas é porque estou buscando mais. Deus está sempre pronto para nos ajudar e nos ensinar, mas se a gente não parar para ouvir, vai perder a oportunidade de aprender. Ele não vai gritar. Ele não vai nos dar rasteira para a gente parar e ouvir. Ele não vai aproveitar a rasteira de terceiros para nos fazer ouvir. Quem for inteligente, vai correr até Ele e ouvir o que Ele tem a dizer, mas quem não for, vai continuar do mesmo jeito. Ou ficar pior.

E a gente tem que cuidar para não ficar colocando em Deus a culpa pelas coisas ruins que acontecem ou tentar achar uma forma de nos justificar atribuindo a Deus coisas que não são dEle. São dois extremos que devem ser evitados: o primeiro, ficar achando que tudo é culpa nossa, que a gente fez alguma coisa errada, etc. O segundo, achar que não tem nada errado na gente e que Deus é que está fazendo isso ou que somos vítimas indefesas. Lembre-se: doença ou tem origem natural ou é colocada pelo diabo. Deus não tem nada com isso. A gente também não costuma ter nada com isso (a menos que tenha sido por negligência). A partir daí, nós temos que cuidar nossas reações para fazer boas escolhas e tirar o melhor possível da situação adversa. E, unido com Deus, continuar lutando para resolver o problema. Não é porque a causa é natural que vou aceitar e me entregar à situação.

Quando uma doença aparece, você precisa saber que o diabo vai tentar se aproveitar da sua fragilidade para atacar. Então, é preciso se fortalecer. Nessa hora é que você vai começar a perceber que existem pontos de fragilidade na sua fé. Temos que ter humildade para correr até Deus e entender o que precisamos melhorar, sacrificar, ajustar e mudar, em vez de perder tempo tentando entender os porquês. Não é hora de porquês. Se você buscar mais a Deus, cedo ou tarde vai entender tudo. Não importa se você tem algum título ou há quantos séculos está na igreja. Se está passando por um problema, precisa buscar como uma pessoa que está passando por problema, não como o detentor de toda a santidade e que não sabe onde errou para receber tal punição. Deus não está punindo. Deixa de frescura e vá buscar mais. E isso vale para qualquer problema, creio eu. Deixa de frescura e vá buscar. Faça algo útil com o que o diabo queria usar para te enfraquecer. 

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PS. A colagem na imagem de abertura mostra a hipermobilidade característica do Ehlers-Danlos, que é uma mutação do colágeno. Esse problema tem nos dois lados da minha família e veio porque papai e mamãe resolveram fazer coisinha que faz bebê e fizeram um mutantezinho. Deus não teve nada com isso. (Ehlers-Danlos gera uma fragilidade que predispõe à disautonomia, que é o que eu chamo de “doença”: um conjunto sintomas incapacitantes como falta de energia, brain fog, ataxia, pressão baixa, etc.)

Exemplo do que não se deve fazer

leitura

Sei que pode soar como uma heresia literária criticar Fernando Pessoa. Mas estou realmente achando que farei uma série “Heresia Literária”, porque depois que você lê um determinado número de livros e vive um determinado número de anos, passa a não fazer mais sentido ficar enaltecendo os caras só porque eles são ícones literários. São seres humanos, afinal. São pessoas. Falhas. Cheias de erros. E se escreviam bem e acertavam na literatura (afinal de contas, a literatura não exige que as coisas nos façam bem, apenas que nos soem bem), erravam — e muito — na vida e nos pensamentos. O problema de ninguém admitir isso e ninguém falar sobre isso é que depois lá estão as pessoas sem muita coisa na cabeça a encher suas caixas cranianas de palavras da depressão, da esquizofrenia ou da neurossífilis dos outros, que até hoje ressoam nas linhas que eles escreveram.

Encontrei uma antiga anotação minha sobre o poema “Aniversário”, de Fernando Pessoa (assinado pelo heterônimo “Álvaro de Campos”), e gostaria de compartilhar com vocês. Eu costumava gostar desse texto, mas quanto mais o tempo passa, mais se afasta o tempo da antiga casa, da antiga configuração familiar, mais eu o abomino enquanto conteúdo, porque exemplifica tudo o que não deve ser alimentado.

Aniversário

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu era feliz e ninguém estava morto.

Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,

E a alegria de todos, e a minha, estava certa como uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,

De ser inteligente para entre a família,

E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.

Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.

Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,

O que fui de coração e parentesco.

O que fui de serões de meia-província,

O que fui de amarem-me e eu ser menino,

O que fui – ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui…

A que distância!…

(Nem o acho…)

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,

Pondo grelado nas paredes…

O que sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),

O que sou hoje é terem vendido a casa,

É terem morrido todos,

É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio…

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos…

Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!

Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,

Por uma viagem metafísica e carnal,

Com uma dualidade de eu para mim…

Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui…

A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,

O aparador com muitas coisas – doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado -,

As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos…

Pára, meu coração!

Não penses! Deixa o pensar na cabeça!

Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!

Hoje já não faço anos.

Duro.

Somam-se-me dias.

Serei velho quando o for.

Mais nada.

Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!…”

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Para que ficar lamentando o passado ou o arrastando a cada novo aniversário? Sei que é Pessoa, mas a poesia é o retrato do que não se deve fazer. É o tipo de coisa de que eu gostava no auge da depressão e que não traz nenhuma energia positiva.

“Pára, meu coração! Não penses! Deixa o pensar na cabeça!” É o grito do desespero de quem percebe estar conversando inutilmente com seus sentimentos (já tinha gremlin naquela época). Não adianta só mandar o coração parar de pensar, meu amigo, é você que está desenvolvendo todo o raciocínio sugerido pelo primeiro sentimento que passou no seu coração. Você pegou o barco do sentimento e saiu navegando pelo rio gosmento da nostalgia por conta própria. Na época da depressão, quando eu era adolescente, passava madrugadas inteiras nessa viagem autodestrutiva. E terminava chorando por horas, convulsivamente, porque não sabia como sair daquele inferno.

O espírito dessa poesia não é positivo.  “O que sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa”? “Hoje já não faço anos. Duro.”? “Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira”? Abra as janelas, deixe o sol entrar, jogue fora essa bagagem que só pesa, das coisas não roubadas, que, mesmo assim, apodrecem na memória. A vida muda, são ciclos, são fases. A infância passou e que bom se foi boa. Se não foi, que bom que passou.

O ovinho da depressão foi chocado desde a minha infância. Eu era feliz e saltitante, mas dramática e nostálgica. Lembro de, aos 6 anos, me sentir velha e pensar que bom mesmo era quando eu tinha 4 anos e não tinha as angústias que eu já tinha do alto dos meus quase 7. E assim foi até os 22. Aos 10 eu sofria pelos 7, quando eu era feliz e não sabia. Aos 12 eu tinha saudade dos 10, esse sim, um tempo bom que não voltava mais. Ao fazer 15, eu me senti idosa e tudo o que eu queria era voltar aos 12. Aos 17, eu sentia falta dos 15, e jurava que faria tudo diferente se pudesse voltar. Aos 18 e 19 eu vivi a profunda viuvez pelos 17, porque achava que minha vida tinha acabado naquele ano. Foi o pior período da depressão. Aos 21, já recuperada, tinha raiva de mim mesma por não ter aproveitado os 18 e 19. Aos 22, meu pai morreu, minha vida virou de cabeça para baixo e decidi, como método de sobrevivência, me agarrar à fé, olhar para a frente e nunca mais olhar para trás. O passado passou, fecho a porta e ainda que minha mente precise voltar para recuperar algum dado, não permito ao meu coração voltar lá. 

Não olhe para trás, nem um dia. Já conheci gente que se destruiu por ficar uma noite inteira sem dormir, pensando no que já foi, ouvindo discurso demoníaco do filmezinho das lembranças do passado. Caiu de tal jeito que não se levantou mais. Não vale a pena. 

Vivi muitos anos na “vibe” dessa poesia, sofrendo pelo que não existe mais e me arrastando pela vida. Hoje, entendo que a vida são quartos sequenciais. Após passarmos por um, abrimos uma nova porta para entrarmos em outro e devemos fechar a porta para seguir em frente, carregando conosco só os sentimentos bons e as coisas que aprendemos. O quarto anterior ficou para trás e o quarto em que estamos sempre tem coisas fantásticas que jamais serão devidamente exploradas se não fecharmos a porta.

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PS. Eu sei que o acordo ortográfico manda tirar o acento diferencial de “pára”, mas optei conscientemente por não fazê-lo. O blog é meu e eu uso a convenção que quiser rs.

PS2. Como parte do meu projeto 2020 para atualizações do blog, vou começar a fazer posts mais curtos, voltar a falar sobre livros, sobre leitura e conversar com vocês por aqui, na medida do possível. 🙂

PS3. Obrigada pelas orações e pelo carinho que vocês têm demonstrado por mim. Eu creio na força de uma corrente de oração por um objetivo. Muito pode, por sua eficácia, a oração de um justo. Imagina de vários! Vamos juntos nessa fé! Espero poder dar boas notícias com relação à minha recuperação física ainda neste primeiro semestre. 🙂

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