Categoria: Visão de mundo

Por que não oramos pelos mortos

metaphor-6-1475318

Apesar do que diz um hoax espalhado por aí, a Universal não faz oração pelos mortos no dia dos finados (nem em dia nenhum). Não há na Bíblia nenhuma indicação de que deveríamos fazer. Pelo contrário, diz que todas as chances de salvação se encerram com a morte e que não há mais possibilidade de ser ajudado depois que sua vida acaba. Há céu e inferno, nenhum lugar intermediário. E não se pode passar do céu para o inferno ou vice-versa. A situação após a morte, seja ela qual for, é imutável.

Mas, se a Bíblia é contra essa prática, de onde isso surgiu? Essa, especificamente, veio de uma tradição pagã celta. Durante o festival de Samhain, que ia de 30 de outubro a 2 de novembro, as pessoas homenageavam os mortos e os deuses que, para os celtas, também eram seus ancestrais. O cristianismo iniciou sem nada dessas coisas, mas depois que foi institucionalizado e absorvido pelo catolicismo, começou a fusão com práticas pagãs. Assim, o festival de Samhain se dividiu em Dia dos finados (homenagem aos mortos) e Dia de todos os santos (homenagem aos deuses).

Como sempre digo, é importante saber por que você faz as coisas que faz — antes de decidir continuar ou não fazendo. A base do ato de orar pelos mortos está na crença de que existe o purgatório, um lugar intermediário, entre o inferno e o céu, para onde a pessoa iria purgar seus pecados até poder entrar no céu. Convenientemente, seria necessário pagar missas, fazer orações e comprar indulgências, caso quisesse sair mais cedo do purgatório.

Se cremos que a Bíblia deve ser respeitada como base para a nossa fé, não cremos no purgatório, já que ela é bem clara quanto a haver apenas o céu e o inferno como destinos finais da alma, e não cita purgatório algum*. E, se não cremos no purgatório, não faz o menor sentido orar pelos mortos. Deus não ouve essa oração, pois ela não tem fundamento. Se Deus não ouve essa oração, para quem você está orando?

A cultura é tão arraigada aqui no Brasil que há cristãos protestantes que visitam túmulos nesse dia. Alguns se sentem culpados se não o fizerem. Sou contra essa prática, primeiro por ser originada de um culto pagão (o que, por si só, já mostra que tipo de influência espiritual rege essa celebração). Segundo, porque não creio que, espiritualmente falando, faça bem a alguém visitar o túmulo de um parente morto. Primeiro, porque a pessoa não está mais ali. Segundo, porque não vai adiantar orar por ela – muito menos acender velas. Terceiro, porque vai trazer de volta à sua memória tudo o que você viveu e isso fragiliza emocionalmente. A fragilidade emocional é uma porta aberta para o mal que vem desenterrar culpas, dores, mágoas e tristeza.

O período do luto é importante, para processarmos a perda. Mas ele deve acabar pouco tempo depois da morte da pessoa e não ser renovado uma vez por ano. O que você tem de fazer pelos seus parentes, faça enquanto estão vivos. Depois de mortos, não vai adiantar esforço algum para aplacar sua consciência levando flores ao túmulo e tendo conversas post-mortem que não teve durante a vida.

Lide com o fato de que você fez o que sabia fazer com os recursos que tinha. Por exemplo, hoje eu teria outro tipo de relacionamento com o meu pai. Mas, quando ele morreu, eu não sabia o que sei hoje. Então, o relacionamento que tive com ele foi o que eu sabia ter. O que me resta é fazer o meu melhor por quem está vivo hoje. E ensinar outras pessoas a entenderem seus próprios pais e não exigirem deles mais do que eles têm condições emocionais de dar.

Lutamos por outro tipo de mortos: aqueles que, apesar de ainda respirarem, terem um corpo e caminharem por este mundo, estão longe de Deus. Porque, se Deus é vida, quem está longe dele está morto. Por esses mortos vivos ainda podemos orar. Eles valem nosso esforço. Eles valem nossas noites em claro, nossas orientações, nosso direcionamento. É por eles, os sofridos deste mundo, que oramos e lutamos. É pelos que vivem angustiados, deprimidos, desanimados e cansados que buscamos.

Esses vivos mortos podem tornar a viver, por isso, lutamos por eles. E não acendemos velas por eles, mas acendemos nossa própria luz, para que nos vejam e enxerguem o caminho. Ao ganharem vida novamente, isto é, ao terem uma experiência pessoal com Deus (não uma experiência religiosa), tudo mudará. Serão vivos. E, quando o corpo morrer, eles continuarão a viver, pois estarão com o Autor da vida. É isso que significa “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em Mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive, e crê em Mim, nunca morrerá” (João 11.25,26).

.

*Antes que algum católico surja do além aqui citando Macabeus para dizer que há base bíblica para a doutrina do purgatório, explico: Macabeus é apócrifo e não faz parte da Bíblia original (e nem da que utilizamos hoje, está presente apenas na Bíblia católica, à qual foi acrescentado). O próprio autor do livro sabia que ele não era divinamente inspirado, tanto que escreveu: “…finalizarei aqui minha narração. Se ela está felizmente concebida e ordenada, era este o meu desejo; se ela está imperfeita e medíocre, é que não pude fazer melhor” (2 Macabeus 15).

Chocando a sociedade

IMG_6847
*Chocando a sociedade com uma garrafa de água mineral 😀

Os revoltadinhos estão muito desatualizados. Com exceção de uma minoria congelada no tempo, ninguém mais se choca ao ver um corpo todo tatuado, ao ver uma mulher que resolveu não se casar e fazer uma produção independente ou ao ver uma moça vestida de periguete ou com cabelo azul. Muito menos se choca ao ver meninos e meninas ficando com vinte pessoas em uma festa. Sorry, isso é comum. Co-mum. Perder a virgindade aos 15 anos é a coisa mais banal no mundo de hoje. Se você quer chocar, mesmo, tem que ser diferente de verdade.

Durante minha vida inteira eu me senti fora da lei. Como qualquer adolescente, eu gostava da sensação de estar chocando a sociedade. Mas, ao contrário da maioria dos meus colegas, eu não estava minimamente interessada em chocar vovôs e vovós. O que eu queria mesmo era ser diferente daqueles que estavam ao meu redor. Eles não enxergavam que a repulsa que tinham por meu discurso e meu comportamento era exatamente igual àquela que queriam provocar nos adultos com sua “rebeldia”. Eu achava graça. Humanos são sempre iguais, afinal.

Rebelde entre os rebeldes, aprendi que era legal ser diferente. E isso se estendeu à vida adulta. Hoje nem é por ser legal, mas por já ter se tornado hábito viver fora das caixinhas da sociedade contemporânea. Porque viver fora da caixinha é viver fora da caixinha de 2015, não fora da caixinha de 1950. Não faz o menor sentido continuar a se rebelar contra os padrões de 1950 quando os padrões hoje são completamente diferentes. Você bebe? Grande coisa, todo mundo bebe. Você tinge o cabelo de rosa? Grande coisa, “jeans color” se acha em qualquer esquina. Você se enche de tatuagem? Ba-nal. Hoje tem velhinhas com tatuagens enrugadas por aí. Está cada vez mais difícil ser diferente.

Quando criança ouvia muito minha mãe dizer que eu não deveria ser Maria-vai-com-as-outras. Ela também não se chocava com nada. Acho que isso me fez prestar atenção ao mundo para fazer tudo ao contrário. Meus colegas bebiam? Eu fugia do álcool. Eles fumavam? Eu detestava cigarro. Ficavam com um por semana? Eu não ficava com ninguém. Gostavam de balada? Eu gostava de escrever no meu quarto. Não estavam nem aí para Deus? Eu vivia na igreja. Todo mundo falava palavrão? Eu não falava palavrão. E posso garantir que sempre fui vista como subversiva.

Porém, já aviso: não é fácil ser rebelde. Você tem de ser forte e precisa aprender a assumir suas opiniões de maneira realmente assertiva. Porque vão tentar todas as estratégias para fazer com que você se encaixe na forminha pronta que o mundo tem para pessoas da sua idade (seja qual idade tiver). Questionamentos, tentativa de ridicularização…todo tipo de golpe baixo é testado até que as pessoas vejam que você está falando sério e comecem a respeitá-lo. Por isso, mantenha-se firme.

É facinho chocar a sociedade quando ela é formada por velhinhas bitoladinhas que não assistem a TV (e mesmo essas nem sempre se chocam com coisas que já são banais. Só uma minoria ainda se choca. É sério). E a pessoa ainda quer encontrar sua própria identidade se rebelando contra o “status quo” do século passado, sem se dar conta de que a minoria já se tornou maioria há muito tempo. Forte mesmo é quem vai contra a correnteza do mundo de hoje, mantendo sua opinião contrária à da maioria. Mesmo sendo ridicularizado e perseguido, continua seguindo aquilo que pensa, aquilo que  crê.

Eu olho para os revoltadinhos desatualizados e me pergunto quando eles vão instalar as atualizações.