Categoria: Visão de mundo

A inabilidade de ver imagens na mente

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Ao se lembrar daquela sua tia querida, a imagem do rosto dela vem nitidamente à sua memória? Você consegue imaginar uma paisagem bonita de forma clara? É capaz de formar imagens em sua mente? Até uns cinco anos atrás, não fazia ideia de que as pessoas podiam “ver” imagens mentalmente. Achava que todos pensavam como eu, com palavras, sensações e conexões sensoriais e extra-sensoriais (não sei explicar rs). Claro, tenho muita imaginação. Consigo criar histórias na minha cabeça, mas nunca vi imagem nítida nenhuma acordada. É algo muito mais sensorial e cheio de palavrinhas.

Pelo que li, há casos muito mais graves do que o meu, em que pessoas não conseguem ver absolutamente nada. Meus “olhos da mente” veem como alguém que tem uns 10% de visão (ou menos). Meus sonhos são super nítidos e detalhados, mas meus pensamentos não têm imagens e minhas lembranças são escuras, sem detalhes, tudo meio nebuloso e enfumaçado. Como um filme quase apagado de cem anos atrás.

Ok, é meio chato você saber que as pessoas podem fazer filmezinhos nítidos em suas cabeças e você não, mas isso nunca foi uma fonte de frustração para mim. Por isso, foi com espanto que li uma reportagem em que um cidadão “portador de aphantasia” (por que a ciência tem mania de rotular tudo o que é diferente, como se fosse uma doença? Coisa chata) dizia que, quando descobriu que outras pessoas viam imagens, ficou muito abalado, como se estivesse perdendo algo muito importante na vida. Ele se sentiu isolado e sozinho.

Oi? Como assim, cidadão? Seu cérebro funciona de um jeito diferente, não significa que ele esteja quebrado! E por que raios isso é motivo de se sentir isolado e sozinho???? Ok, não quero desprezar o sofrimento de ninguém ou menosprezar os dramas da vida. Mas não faz o menor sentido. Nunca vi uma imagem nítida na minha cabeça e até acho que seria muito desconfortável ver. Sério, quando fecho os olhos, fica tudo escuro. É quase como silêncio. Já era chatíssimo antigamente estar sozinha em um lugar silencioso e ter de conviver com o barulho dentro da minha cabeça (graças a Deus por hoje ser capaz de ter silêncio na minha mente), imagina se ainda tivesse imagem?

Em vez de pensar no que as outras pessoas faziam e ele não podia fazer, se comparando negativamente, esse ceguinho mental poderia tentar descobrir o que ele fazia melhor do que os outros ou desenvolver alguma habilidade diferente. Porque quando uma área de nosso cérebro não funciona direito, geralmente alguma outra área acaba compensando. No meu caso, é a área da linguagem e a capacidade de ser detalhista.

Tudo depende da sua forma de reagir às coisas.  O fato de não saber que eu tinha uma “dificuldade” me fez ignorá-la completamente. Aprendi a desenhar (com predileção por figura humana). Aprendi a fazer esculturas de pessoas. Sou boa com proporções do corpo humano e tenho excelente senso estético. Desenvolvi a habilidade de prestar atenção aos detalhes. Como penso com palavras, meu olhar para texto sempre foi bem apurado. E isso me ajuda no trabalho, editando textos, analisando, lendo, revisando e escrevendo. Consigo imaginar e construir cenas com palavras. O mundo é um conjunto de riscos, espaços, traços, letras e estímulos sensoriais. Meus olhos mentais podem ser meio ceguetas, mas não me sinto isolada e sozinha.

Quando preciso “visualizar” alguma coisa, uso  os demais sentidos, ou escolho não depender deles. Por exemplo, um grande desafio para mim na igreja era quando, durante a oração, o pastor dizia “se imagine agora diante do trono de Deus” e começava a descrever o que ele estava imaginando. Nunca entendi o que tinha que fazer rs.

Não adiantava tentar formar uma imagem na minha cabeça, o máximo que eu conseguia era o contorno escuro de pedaços desconectados e transparentes do tal trono imaginário, que não merecia ser chamado de “trono de Deus”. E me sentia uma grande pecadora ao tentar fazer Deus se sentar naquele negócio malfeito rsrs. Me dê um papel e eu consigo fazer o tal trono. Mas não me peça para vê-lo de olhos fechados.

Depois de um século e meio de tentativas frustradas, mudei de tática. Simplesmente comecei a imaginar que estava, de olhos fechados, diante do trono de Deus. Deus estava ali, na minha frente…eu não precisava ver Seu trono. Não precisava ver nada ao redor. Simplesmente sabia que Ele estava ali. Talvez isso seja óbvio para muitos, mas para mim foi uma revelação, então preciso anotar aqui rs. Provavelmente era essa percepção que o pastor estava tentando levar as pessoas a terem, mas eu estava tão ligada no que eu não conseguia fazer, que não entendi o que poderia fazer.

Ao se focar no que não consegue, você só reforçará que não consegue. No final das contas, o problema do coleguinha aphantástico não é não conseguir pensar com imagens. O problema dele é ficar se comparando com os outros, focando naquilo que ele não consegue fazer e achando que está no prejuízo, enquanto poderia perceber o que ele sabe fazer, valorizar o que tem e prestar atenção no que é bom e positivo.

Se você ficar se comparando com os outros, vai encontrar uma porção de coisas em que as outras pessoas são melhores do que você. Várias coisas em que os outros têm facilidade e você não tem. E, provavelmente, não vai enxergar o que você tem de bom e em que pode aprimorar.

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Para fazer parte do Reino de Deus

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Há quem procure se encaixar no sistema da igreja, se adaptando aos padrões que reconhece. É o natural do ser humano, infelizmente, tentar se adaptar ao sistema, para se sentir parte de algo maior. Isso acontece quando se busca essa conformidade na força do braço. No entanto, o caminho mais difícil, o caminho do verdadeiro sacrifício é abrir mão dessa tendência de se adaptar ao sistema. Não fomos chamados a nos encaixar. Fomos chamados a fazer parte do Reino de Deus e não de um sistema religioso.

Há processos sistematizados para que as engrenagens girem e as coisas funcionem, mas o sistema é um meio e não um fim. Não é o sistema que dirige a coisa toda, é o Espírito. E, às vezes, o Espírito leva você a um lugar nada a ver, a uma função mais nada a ver ainda. Ele não escolhe os acomodados nas caixinhas, nem quem não quer sair do quentinho da zona de conforto. Esses ficam na beira do caminho.

Todo o Reino de Deus foi formado a partir de pessoas que não se encaixavam no sistema. Os mais legítimos outsiders. Abraão. Moisés. Josué e Calebe. Gideão. Jefté. Ester. Neemias. Davi. Jesus. Paulo. Madalena. Amós. Eliseu. João Batista.  E, para citar um nome da atualidade que eu conheço bem, Bispo Macedo.  Me diz o nome de um Herói da Fé com trajetória linear! Que seguiu uma fórmula. Que conseguiu fazer parte do Reino na força do braço. Do Reino a gente só faz parte pela fé.

E, estando o Reino, não há espaço para ficar preocupado com o que os outros vão pensar de você. Ou em agradar a pessoa x ou y. Se eu agradar a Deus, vou agradar a quem é de Deus. Se, no processo, tiver que desagradar aos outros, paciência. Por incompatibilidade de espíritos, provavelmente eu não vou agradar a todos, mesmo. Sou uma ferramenta. Minha obrigação é me manter afiada, atualizada e com a mente aberta. E com coragem para agir sempre que for necessário, ainda que contra o status quo. Ainda que sob protestos. Ainda que com sacrifício.

Sacrifício é renúncia. Renúncia da própria vontade. Já parou para pensar no que é isso? Renúncia da vontade de ficar preocupado com a opinião alheia. Renúncia da vontade de ficar chateado por ter sido ofendido. Renúncia da vontade de interpretar mal uma situação. Renúncia da vontade de ficar remoendo alguma coisa que aconteceu. Renúncia da vontade de ficar se culpando por alguma coisa. Renúncia da vontade de sentir pena de si mesmo. Toda a renúncia de alguma vontade, pensamento ou sentimento deve ser seguida por algo que reafirme seu objetivo.

Eu renuncio à vontade de ficar preocupada com a opinião alheia porque é a opinião de Deus que me interessa. Renuncio à vontade de ficar chateada por ter sido ofendida quando oro pela pessoa que me ofendeu e penso bem dela. Renuncio à vontade de interpretar mal alguma situação quando me esforço para olhar com bons olhos e interpretar de forma positiva. Renuncio à vontade de ficar remoendo algo que aconteceu quando entrego o passado a Deus e deixo lá com Ele.

Renuncio à vontade de ficar me culpando quando peço perdão a Deus e creio no perdão que recebi. Renuncio à vontade de sentir pena de mim mesma quando assumo minhas responsabilidades, deixo de culpar os outros e descubro o que posso fazer para melhorar. O caminho do sacrifício não é arredondadinho, ele é cheio de arestas e a gente corta a própria carne todos os dias, bem feliz, quando mantém os olhos no objetivo. Porque o Alvo a que você busca vale qualquer renúncia que precisar fazer.