Um hábito singular

Escrevi esse texto em 2009, está postado aqui: https://www.vanessalampert.com/?p=309 . De lá para cá, melhorei, mas confesso que ainda não perdi o tal hábito e tenho que me cuidar para não comer os plurais. Enquanto eu estava em Porto Alegre, não havia problema, era até aceitável. Alguém falando todos os plurais corretamente soaria até bem estranho. Em São Paulo as pessoas não são especialistas em plurais, mas talvez a coisa não seja tão bem recebida quanto era no Rio Grande do Sul, então tenho me cuidado para voltar a falar como uma pessoa devidamente alfabetizada. Segue o texto, para que quem não leu consiga entender o meu drama.

Um hábito singular

Vanessa Lampert

Estou me esforçando um bocado para perder um péssimo hábito que adquiri sem perceber aqui em Porto Alegre. Estava eu, em minha mais recente visita a Campo Grande, falando compulsivamente (coisa que costumo fazer com relativa frequência), quando notei um olhar estranho vindo de meus interlocutores. Me dei conta, de repente, que estou construindo frases de uma maneira um tanto quanto gauchesca. Explico: gaúchos têm alergia a plural. Plural é uma coisa ultrapassada, é algo supérfluo. Pronunciar um ‘ésse” a mais gasta energia que poderia ser utilizada em argumentos mais eloquentes. Assim, um gaúcho JAMAIS irá sentir dor nos pés depois de uma longa caminhada. Caso eles venham a doer, o gaúcho dirá, com toda a carga dramática envolvida na exclamação: – Bah, tô com uma baita dor nos pé!” Note que “uma baita dor” é significativamente mais intensa do que “uma dor”. É como o superlativo “aço”. Se um gaúcho bater o cotovelo na parede ele dificilmente dirá que deu “uma cotovelada na parede” porque o sufixo “ada” sugere algo de baixa intensidade.

Dificilmente uma cotovelada doeria a ponto de merecer ser citada. Geralmente o gaúcho dirá que deu “um cotovelaço na parede”. Um cotovelaço dói. Dói DE VERDADE. É uma baita dor! Uma baita batida na parede, e se machucar a ponto de continuar doendo depois, ter de ir ao médico, talvez imobilizar, enfim, se não for algo que passe na hora, ele dirá “bah, dei um cotovelaço na parede. Pisei meu cotovelo” Aí eu imagino o cidadão fazendo algum contorcionismo para conseguir pisar NO cotovelo. Duvido que tenha sido um acidente. Bem, voltando ao assunto, de tanto ouvir: “bah, onde foi que eu coloquei as tampa dos pote?” ou “eu só faço minhas compra naquela loja que fica três quadra daqui, gosto de ficar olhando as gôndola para escolher os produto que preciso.” Veja bem, isso é generalizado (deve ser a água). A pessoa pode ter curso superior, mestrado, doutorado, pode ter hábito de leitura, geralmente escreve corretamente (às vezes até conjugando o verbo na segunda pessoa do singular!! Coisa que eles não costumam fazer ao falar…a segunda pessoa acompanha o verbo na terceira pessoa, conforme exemplo a seguir), mas na hora de falar segue um dialeto próprio, charmosamente analfabeto e muito, mas muito contagioso: “- Tu viu que estampa bonita? Uns azul, uns verde, uns vermelho, tudo misturado, mas de um jeito muito tri, o vestido tem umas fenda, um decote diferente, mas as manga não vão até os cotovelo, não. Se bem que não sei o que tu acha, mas eu acho que nem precisa daquelas manga”.

Vendo, assim, desse jeito, você pensa: “eeeeeu??? Mas eu NUNCA que falaria desse jeito! Nem se ficasse CINQUENTA anos em um lugar assim”. Aí é que você se engana, colega, você não perceberia!! O troço se enfia dentro da cabeça da gente de um jeito muito invasivo! Você não nota que está falando que está com dor nas perna, ou que todos os músculo do seu corpo dói! Ou que você esqueceu os prato em cima da pia, um deles escorregou e caiu sobre os copo que estavam dentro da pia e espalhou caco de vidro por todos os canto da cozinha. Depois você pegou a vassora e varreu os caco, mas sempre fica uns pó pequeno no chão e se você andar sem chinelo, pode espetá os pé. Cuidado.

Aí lá vou eu, culta, chique, bela e modesta para Campo Grande, onde pessoas e plurais convivem harmoniosamente. Sem perceber, acabo dizendo à caixa do supermercado, enquanto reviro a bolsa, que nunca me lembro em qual lugar da bolsa coloquei as moeda, porque a gente vai recebendo as moeda e jogando dentro da bolsa, e na hora de pegar acaba confundindo com as chave. E eu nunca me lembro de comprar um troço pra guardar as moeda. Notando a cara de horror da moça, disfarço, comentando que vou colocar duas sacola para embalar a garrafa de água mineral, porque essas sacola são muito porcaria, uma vez eu estava subindo uma lomba com uma garrafa em cada sacola, aí as água caiu no chão e saíram rolando e eu correndo atrás delas (eu SEMPRE conto essa mesma história – real, aliás, ocorrida após uma compra no Sendas do Leblon, no Rio, quando morei lá- todas as vezes em que  embalo água mineral de 1,5 litros com duas sacolas plásticas).

Esse tipo de conversa causa uma inevitável expressão de espanto em qualquer pessoa (principalmente desconhecida, acho que os conhecidos nem prestam mais atenção no que eu falo e não percebem…risos…) que ouça, estupefata ao ver aquela moça tão bem arrumada, parecendo tão educada, culta, simpática (e – sempre – modesta). Me esforcei muito para evitar comer os “ésses” dos plurais, mas é um sacrifício grande demais para que eu possa resistir. Ou talvez porque…no fundo, no fundo eu goste desse jeito tosco e livre de falar. Essa coisa transgressora e atropelada, dramática e apressada, que não tem nem tempo de pluralizar palavras…um discurso democrático, no qual se permite tranquilamente que o artigo não concorde com o substantivo, afinal de contas, cada um tem direito a sua própria opinião, ninguém precisa ser obrigado a concordar com ninguém. Nem o pronome com o substantivo, nem o sujeito com o verbo. Tem sujeito que quer discordar, ué! E se alguém quiser discordar do sujeito, tem toda a liberdade de fazê-lo.

Ninguém tem língua presa no Rio Grande do Sul, devido à liberdade linguística que existe neste país (sim, porque o Rio Grande é o meu país, colega!). Na verdade a éssefagia (hábito de engolir “ésses”) é uma prática proposital, para celebrar, a cada frase pronunciada, a mais pura e perfeita democracia e liberdade léxica. Não mais me envergonho de tal analfabeto hábito, agora que descobri sua nobre origem e seu louvável objetivo. Me falta apenas conseguir transformar essa explicação em um curto e convincente texto para decorar até minha próxima viagem a Campo Grande.

Uma grande mudança

Quando planejei o período de férias do blog, ainda não sabia o estava por vir. Infelizmente não poderei contar em detalhes, mas farei o possível para mantê-los informados. Fiz a pausa porque estava no propósito do Jejum de Daniel, no qual passamos 21 dias buscando a Deus, meditando em passagens bíblicas, nos envolvendo com as coisas de Deus e nos abstendo de internet, televisão, jornais, revistas e notícias seculares, para priorizar o crescimento espiritual. É claro que por causa do trabalho eu tinha que checar emails, fazer uma ou outra atualização, mas deixei posts antigos agendados para publicação automática no Lampertop.

Essa pausa foi muito importante para arejar minha cabeça, até porque eu havia acabado de sair de um trabalho em uma empresa que quase me levou ao Burnout. E se eu não cuidar, mergulho na internet em um caminho sem volta, já que minha mente é extremamente ativa e rápida e quer absorver toda a informação do universo de uma só vez. Receita para ansiedade. Por isso eu precisava do Espírito Santo, para renovar minhas forças…e esse propósito veio na hora certa.

Durante os 21 dias de Jejum perguntei a Deus o que Ele queria que eu entregasse, o que me faltava sacrificar? A resposta veio rápida, como uma certeza dentro de mim: “a sua vida”. Mas como? Eu não havia entregado a minha vida? Se Ele estava pedindo, provavelmente não. Então as últimas semanas eu tirei para fazer essa entrega total, me despojando de tudo para ficar à disposição de Deus. Não sabia que seria literal.

Para muitos essas coisas  podem não fazer o menor sentido. Eu realmente não estou minimamente preocupada com isso, já que essa é a realidade em que eu vivo e o fato de você não compreendê-la não significa que ela não seja válida.

Semana passada a vida mudou, e quanto a isso ainda não entrarei em grandes detalhes ou este post ficará gigantesco. O engraçado é que começamos o ano determinando que e 2011 haveria uma grande mudança em nossa vida…hahahahahahaha…Deus tem senso de humor. No final da semana passada recebi um convite irrecusável. Não por causa do salário, mas por causa da oportunidade. Sim, um convite. Eu não pedi, ninguém sabia que eu não estava trabalhando, nem que eu queria voltar a trabalhar como escritora. Só Deus sabia.

O convite foi feito na quinta e recebi a confirmação na sexta…começaria já na segunda. Nenhum tempo de avisar ninguém. Correria total para arrumar as coisas e estar às 7h30 dentro de um avião rumo a São Paulo, definitivamente. O Davison continua em Porto Alegre organizando as coisas para a mudança (jogando fora as bagunças…risos…e arrumando o que efetivamente será transportado). Eu passei os últimos dias alucinada, às voltas com papelada para contratação e buscando um apartamento de dois dormitórios para alugar, que seja próximo de metrô.

Só falta encontrar o bendito apartamento, telar as janelas e o Davison envia os gatinhos assim que concluírem o tratamento da última crise de rino (chegando o inverno em Porto Alegre o povinho já começa a espirração). Agora começo a receber mensagens de amigos chateados porque não foram avisados. Não consegui avisar ninguém! Não deu tempo, falei com pouquíssimas pessoas, só as que encontrei pelo caminho, mesmo. E olhe lá!

Hoje é feriado e teve quem me convidasse para passear, para que eu não ficasse sozinha. Que fofas! Não sei se são as pessoas com quem estou convivendo, mas achei São Paulo uma cidade muito calorosa. O pessoal da redação me recebeu muito bem. Hoje eu pedi para ficar em casa para tentar escrever a quem me pediu detalhes do ocorrido, para acalmar o pessoal que ficou em Porto Alegre e também para atualizar meus perfis e meus sites, pois isso era algo que estava me incomodando e possivelmente não conseguirei fazer tudo hoje, até porque quero começar a trabalhar no projeto para o qual me chamaram, fazendo um esboço do que pretendo desenvolver, e já escrevendo as primeiras páginas.

Outra coisa legal de São Paulo é o espaço. É uma cidade espaçosa, espalhada…tem muito mais a ver comigo. Sem contar que hoje é feriado, mas as lojas abrem!!! O único supermercado 24 horas de Porto Alegre (que já fechou, by the way) fechava no feriado, o que era muito nonsense.

Só me falta descobrir onde ficam as coisas e como faço para chegar até elas…risos…mas eu me divirto com essa coisa exploratória, desbravando as matas inexistentes desta cidade. Meus dias têm sido incrivelmente neuróbicos…terminarei o ano com dez vezes mais neurônios do que eu tinha ao chegar.

Por enquanto é isso, pessoal…com o passar dos dias escreverei sobre São Paulo, nos intervalos do meu trabalho (se eu conseguir fazer algum intervalo…risos…).


.