Os desatinos da mente

O cérebro é um órgão muito curioso. Em todos os sentidos.

Curioso do ponto de vista científico, pois ainda é um grande mistério, e também curioso por estar sempre atrás de novidades, à procura de significados em cada informação que recebe e com uma capacidade incrível de preencher as lacunas com informação tirada de nenhum lugar além de sua imaginação.

Um desses esforços imaginativos recebe o nome de pareidolia. Apesar do nome feio, esse fenômeno psicológico é simplesmente a tentativa do cérebro de identificar algum padrão em uma imagem que, a princípio, não significa nada.

Quem alguma vez já não encontrou carinhas e figurinhas diversas nos azulejos do banheiro enquanto tomava banho? Quem nunca brincou de olhar para olhar as nuvens pra descobrir formas de coisas conhecidas? Pois é, brincávamos de pareidolia e nem sabíamos.

Algumas pareidolias não são muito fáceis de ver, requerem um pouco mais de imaginação por parte do pareidologista (se essa palavra não existe, deveria existir, pois é muito útil). Outras, porém, são tão realistas que fica difícil crer que se tratam de ilusões da mente.

Talvez uma das mais impressionantes seja essa foto antiga, onde parece existir o rosto de um homem barbudo e com os olhos fechados entre um casal:

Face-pareidolia

Essa realmente não precisa de muita imaginação para ver. Mais difícil é entender quais são as formas reais que compõem a ilusão. A foto com alguns elementos coloridos deixa claro que a face do homem é na verdade um bebê e seus cabelos são alguns arbustos que estão entre as pessoas:

Face-pareidolia-cores

Outras pareidolias na natureza são tão convincentes que se tornam uma vantagem para algumas espécies. O caranguejo Heike, do Japão, tem a oportunidade viver sua vida com tranquilidade por exibir em sua carapaça uma formação muito peculiar, semelhante a face de um samurai, o que o torna uma caça indesejável para os pescadores locais, pois crêem que esses animais são a reencarnação de antigos guerreiros que morreram afogados naquele local. Essa é a face do intragável:

Caranguejo samurai

Há inúmeras outras pareidolias famosas, como imagens de santos e santas em vidraças, torradas, mofos de parede e até mesmo em traseiros de animais.  Há quem diga que certos programas jornalísticos e determinadas revistas de notícias não passam de mera pareidolia, mas aí já são outros quinhentos…

O fato é que muitas pessoas fizeram dessa curiosidade um meio de lucrar uns dinheiros na internet, vendendo “falsas” pareidolias, como o senhor proprietário de uma máquina de fazer torradas em série com a face de Cristo:

Face na torrada-pareidolia

Embora sejam as mais famosas, a pareidolia não se restringe a imagens. Ela existe em músicas e sons em geral. Algumas músicas, aliás, quando tocadas ao contrário, parecem conter “mensagens ocultas”, o que dá margem à todo tipo de interpretação e teorias.

O Youtube está cheio dessas pérolas sonoras. Fica a dica para quem está sem nada melhor pra fazer e quer botar fora alguns minutos de sua vida que jamais voltarão.

O menor dos animais domina o mundo

Escrevi esse texto para a Revista Paradoxo, em 2006. Depois de tudo o que vimos nos últimos meses, essa minha teoria se mostra bastante atual.

O menor dos animais domina o mundo

A culpa é do dedo opositor

por Vanessa Lampert
de Porto Alegre
[09/03/2006]


Estou certa  de que o ser humano é um dos animais menos evoluídos do nosso planeta. Quando assistimos aos documentários sobre animais da selva na TV, nos impressionamos com a organização, senso de grupo, inteligência e  capacidade de comunicação daquelas criaturas. Até mesmo programas sobre a vida dos insetos embasbacam bípedes que se desdobram para fazer, em escala, metade do que aqueles pequeninos seres fazem em seu dia-a-dia.

Quando convivemos com gatos, cachorros, furões, peixes, cavalos, e coisas do gênero, nos surpreendemos ainda mais com eles. Nos entendem mais do que nós a eles, se comunicam, demonstram afeto, demonstram desagrado, conversam entre si e tentam entrar em contato com formas inferiores de vida [no caso, nós, os humanos]. Sempre superiores, compreendem nossa natureza cheia de falhas.

Os animais, em geral, são muito mais sérios e centrados do que o imbecil ser humano. São sensíveis, estão tão integrados à natureza que conseguem prever desastres naturais pela simples observação de alterações no ambiente.  Têm faro mais apurado, tato mais apurado, olfato mais apurado, instintos mais aflorados. O homem é o animal mais desprovido de recursos naturais, fisicamente frágil, sem garras, dentes, sem músculos fortes, sem sensibilidade, sem instintos decentes, com um cérebro duvidoso. Mas – você me pergunta- se eles são tão melhores assim, por que o homem é que domina o planeta? A resposta é: movimento de pinça, o único recurso que o homem realmente tem, e o que fez toda a diferença nos últimos milhares de anos.

Não estamos aqui, nesta posição, por conta de nossa inteligência, capacidade de pensar [quem convive com animais sabe que eles são muito mais capazes de pensar do que muita gente por aí] capacidade de comunicação, de senso histórico ou qualquer outra bobagem dessas que contam por aí. Não existe prova alguma que, por exemplo, um rinoceronte não tenha consciência de sua existência, assim como não há provas de que a vizinha do apartamento ao lado tenha.  Conhecemos pouco sobre os outros animais, portanto, alardear nossa superioridade sobre eles é, no mínimo, arrogante. Na verdade o único responsável por não estarmos acorrentados à casinha dos humanos sendo alimentados por cachorros é o movimento de pinça, o dedo opositor.

Apesar do nome, o dedo opositor não é, propriamente, da oposição. Ele não briga com os outros dedos, não se opõe ideologicamente, apenas faz oposição, digamos, geográfica, aos seus irmãos. A presença do polegar, fazendo oposição aos outros quatro dedos, possibilita ao homem pinçar objetos a seu bel-prazer, pressionando o polegar contra qualquer um dos outros dedos. Você jamais imaginou que um movimentozinho desses fosse assim tão importante, não é mesmo?

Por culpa do movimento de pinça, o homem conseguiu fabricar armas, caçar, costurar roupas, fazer fogo, fazer churrasco, construir aparelhos que suprissem suas outras fragilidades e o transformassem na espécie dominante do planeta. Tudo bem, se soubesse fazer as coisas direito. Mas, sendo a criatura mais despreparada do universo, aparentemente a única que se rebelou totalmente contra a natureza e seu criador, não é de se espantar que ele tenha feito uma bobagem atrás da outra, a ponto de maltratar outros bichos, desperdiçar recursos naturais, investir em guerras inúteis [sim, porque algumas são úteis], enxergando seus próprios irmãos como inimigos, fazendo sofrer a quem diz amar por um punhado de papel pintado, destruindo o planeta e sua própria vida, ignorando que o tempo passa, todo mundo morre e as traças, espertas, comem todo o papel pintado do mundo.

Li, certa vez, que o homem é o único animal capaz de modificar o meio em que vive, é o que o difere dos animais e prova sua inteligência superior. Balela. Primeiro, o homem só altera o meio por causa do movimento de pinça, conforme já expliquei, e é o que o difere dos animais. A causa, não a conseqüência. E isso só prova que ele realmente não raciocina muito bem. Os animais, muito mais inteligentes, sempre souberam que nunca houve a menor necessidade de que o meio fosse modificado. Estava tudo muito bem, até aparecer o macaquinho pelado com dedo opositor no pedaço.

Se o golfinho, por exemplo, tivesse nascido com pernas, braços e dedos com movimento de pinça seria, sem dúvida nenhuma, um bicho bastante estranho, mas muito provavelmente viveríamos em um mundo muito melhor.

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